domingo, 22 de julho de 2012

A dificuldade de lidar com a perda e a importância do luto


A dificuldade de lidar com a perda e a importância do luto
Nunca aprendemos a lidar efetivamente com uma perda, inclusive previsível, até que ela ocorra (como a de um parente idoso ou alguém doente). Por mais que pensemos estar preparado com aquilo que aponta que vai ocorrer em breve, nunca estamos. Uma das explicações óbvia é a de que experienciar a dor de qualquer perda é muito particular e distinta para cada um. Isso é para tudo na vida. Certamente a morte de um ente querido é a maneira mais clara de ilustrar com clareza isso.
Em minha última visita para São Paulo, há duas semanas aproximadamente, recebí o telefone daqueles que nunca nos esquecemos. Era a voz de um familiar dizendo que meu avô havia falecido. Tudo ao meu redor mudou: a noção de tempo, a luz do dia, que estava ensolarado, tornou-se cinzenta, outras partes de meus sentidos se confundiam enquanto minha vida subjetiva corroía de forma desgastante milhares de memórias, como se o processo de indigestão tivesse acabado de se iniciar. Forçando-me ao início da elaboração da perda e ao processo de digestão.
É nessas horas que percebemos, com intensidade, nossa fragilidade humana e nossa impotência diante de todas as coisas, cujo poder que nos iludimos ter, transforma-se em água e se dirige amorfa, para o ponto mais baixo para escoamento. Mas por que sofremos tanto se sabemos que isso vai acontecer um dia? Afinal de contas, não nos cansamos de escutar desde criança que a morte é a única certeza da vida?
Pois bem, ainda somos atraídos pela ideia ilusória de que as coisas são infinitas, mesmo que inconscientemente.
A perda de meu avô, prestes a completar 98 anos, foi um exemplo dessa ilusão dentro de mim. Inconscientemente, ele era imortal até a semana passada. Não era raro brincarmos que sua saúde era tão boa que dizíamos ser ele a “prova de balas”. Pois sempre gozou de uma excelente saúde.
Meu avô faleceu indo ao parque caminhar. Dois dias antes eu havia conversado com ele e em pouco tempo de conversa, sua alma serena permitiu, como sempre, nos divertir com risadas da vida cotidiana. Ele sabia que estava longe dos seus 100%, mas isso era o de menos. Ele sempre demonstrou aproveitar cada momento da vida, independente das coisas inóspitas do mundo. Ele sabia que a melhor forma de lidar com o sofrimento seria através do bom humor, do amor, da compaixão e da garra. Por isso que eu sou grato por ter tido sua companhia durante anos e parte de sua genética.
Meu avô se foi e não voltará, mas eternizou em mim qualidades que carregarei comigo até a minha morte. Ele era um cara de presença. Ensinou que para ser um grande homem não era preciso ser durão, apenas sagaz. Sua sensibilidade ele guardava muitas vezes para sí.
Jamais imaginei que sua morte iria mexer tanto comigo e com minha família. Afinal de contas, em meu imaginário ele era imortal. Ele soube aproveitar a vida. Foi embora da mesma forma que ele viveu. Sempre sereno, com um sorriso elegante e aproveitando todas as possibilidades de fazer as piadas respeitosas e espertas.
A morte de alguém, como muitos sabem, deixam elas mais presentes mesmo quando vivas. Talvez, ela tenha esse papel mesmo: o de dar vida e continuidade às futuras gerações. A finitude da vida nos ensina uma das características mais importantes e nobres que devemos ter: Arriscar e nunca abdicar pelas nossas realizações, por mais difíceis e custosas que possam aparentar ser.
Penso que nossa liberdade é a nossa dignidade. E isso se encaixa na ideia de que nunca devemos abdicar pelas coisas que decidimos para nossa vida, ainda que estejamos errado. Escolher nosso caminho “errante” é mais importante do que ser manipulado por alguém que não seja você. Nada vale mais do que a nossa própria decisão e responsabilidades que fazem parte de nossas escolhas. “Você fez, agora você paga”. Mas é claro que não nos construímos sozinhos, somos sociais e temos deveres e obrigações éticas. Não falo aqui de uma anarquia, mas de escolhas sabendo lidar com as consequências, faz parte da maturidade.
Já ouví que sabedoria advém de nossas vivências e experiências. É paradoxal pensarmos que é justamente através de nossos erros e de nossas escolhas que acumulamos mais experiências, ou seja, a grosso modo, quando escolhemos errado é quando aprendemos mais e adquirimos mais experiências.
Isso caracteriza um pouco da importância simbólica de qualquer luto. Quando fazemos uma escolha, perdemos possibilidades.
Uma imagem que guardo de meu avô e que ficará para mim é a de um cara simples. Que cuida de uma casa de fazenda, acordando às cinco da manhã, oferecendo “gemada com vinho do porto”. Comer bem, se alimentar e sair para fazer o necessário. Guardo imagens de como meu avô falava com o olhar. Dava surras com o olhar e falava que amava a todos nós com seu olhar. Não são só palavras que passam mensagens, somos seres visuais. Muitos sabem que o silêncio fala muito mais. Ele tinha isso, ele viveu muito, teve experiências.
Foi-se embora o mais velho de uma prole numerosa e intensa. O preço da morte talvez seja então, a partir desses pensamentos, um ganho. Um ganho de uma lição, de uma pessoa que soube viver, respeitando cada um e dando o seu ponto de vista sem escolher pelo outro. Ele pensava muito bem antes de responder. Sua lucidez era insuportável. Ele já não ouvia bem, quando não era conveniente, ele já não enxergava mais, quando era conveniente e ele não precisava falar, quando ele precisava falar apenas o necessário. Um homem de poucas palavras, mais sorria e olhava.
Agora me despeço dele, não triste, mas emocionado, pensando e sentindo que ele soube aproveitar cada momento. Essa é uma das belezas de sua história.
O desafio em “aliviar” uma perda não ocorre com o tempo, isso é ilusório também, mas com o confronto daquilo que ela significou para cada um. Ficamos sujeitos a elaborar, cada um de sua forma, aquilo que escolhemos, aquilo que perdemos e aquilo que seguiremos até o fim de nossas vidas.
Portanto, por esse viés, o desafio de lidar com o luto seja o ganho experimental de resignarmos para a finitude da vida. Força-nos agarramos a importância que cada um de nós temos enquanto protagonistas de nossa história e do que queremos deixar em nosso legado.

2 comentários:

  1. Grande Xará! Agora é muita força, irmão. Já que você falou da nossa ilusão de poder de controle sobre as coisas, é importante não se iludir pelas sensações de tristeza e finitude e sempre estar atento, principalmente nesses momentos difíceis, para que possamos aprender o máximo com essas situações, a fim de que as próximas, tão ou mais difíceis, sejam mais palatáveis a nós. Muito bom você colocar isso pra fora aqui, pois certamente, como você disse, te trará amadurecimento.
    Conte sempre com o amigo aqui!
    Grande Abraço!

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  2. Fala, meu amigo! Obrigado pela força... poder contar com amigos verdadeiros é uma das poucas coisas que nos permite seguir com solidez e confiança algo e a seguir nossa trajetória e nosso legado! Sempre com passos mais firmes e cada vez maiores. Valeu! Forte abraço e nos vemos em breve, meu chapa!

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