Daniel Wajss
Recentemente, lí na internet um comentário sobre uma
ultrapassagem polêmica feita por Sebastian Vettel sobre seu companheiro de
equipe, Mark Webber, numa das últimas corridas da Fórmula1. Os dois já estavam
liderando a corrida. Contudo, por estratégia da equipe, o piloto alemão (considerado melhor) havia
recebido uma ordem para permanecer em segunda posição até o término da corrida, “prestigiando”
o australiano à primeira colocação. Foi em vão, uma vez que antes do término, o
alemão quebrou as ordens, ultrapassando (ou “trapaceando?”) seu parceiro, garantindo, assim, o lugar principal do pódio. Após a corrida, nitidamente abalado, pediu desculpas, alegando ter sido algo “instintivo”, não pensado. Tanto a equipe
quanto o australiano repudiaram o ocorrido e, como já era de se esperar,
amenizaram a pressão midiática, deixando claro que discutiriam o ocorrido nos
bastidores da Redbull.
Não sei ao certo o motivo, mas o incidente repercutiu em mim um estado de introspecção crítica. Foi um “gatilho” que me levou a refletir sobre algo
que se resume, grosso modo, à natureza evolutiva do comportamento humano. Ainda
que houvesse o pedido de desculpas, ficou nítido o incômodo geral que,
certamente, pode gerar perdas nas relações de confiança, tanto dentro quanto
fora das pistas e prejuízos maiores a médio e longo prazo. Mas afinal de
contas, quem estaria correto? A equipe que, seguramente, quer ver seus dois
pilotos campeões no final da temporada? O australiano, que ficou desapontado
com a “indisciplina” de seu parceiro? O alemão, por ter feito a ultrapassagem?
Será que foi realmente algo impensado essa atitude? Será que, se foi pensado, o pedido de
desculpas não serviria para acalmar os ânimos dos campeões e resgatar a
harmonia da equipe e seus integrantes? E ademais, quais seriam os fundamentos que explicariam o comportamento de Vettel, aceitando que
realmente tratou-se de algo não controlado? Em suma, por que ele agiu desta maneira?
Para não destrinchar a
complexidade deste comportamento, nem transformá-lo num molde acadêmico
monótono, decidí discorrer informalmente acerca de uma das causas que
interfere há tempos nossas atitudes: nossos pensamentos conscientes e inconscientes.
Vivemos num momento em que discussões de atitudes
conscientes e inconscientes expandem-se para diversos campos do conhecimento. Uma
das pesquisas que investigam nossas cognições e comportamentos, também conhecidos como explícitos e implícitos (migre.me/dVLGq), buscam avaliar preconceitos pessoais e
coletivos diante de temas recorrentes em nossa cultura. Os testes, embasados em
áreas multidisciplinares como a neurociência, a psicologia, a sociologia, entre
outras, soam consistentes do ponto de vista técnico-científico. Independente da
credibilidade a que se possa atribuir o teste supramencionado, sugestiono conhecê-lo
e observar algo em pauta em instituições prestigiadas.
Sempre advoguei que a história
se desenvolve de forma cíclica e dicotômica, isto é, girando em torno de um
mesmo ponto avançando o "degrau", assim como uma espiral ascendente. Ora, desde o
Renascimento até hoje, admitimos agir predominantemente de acordo com a razão, aceitando
falhas nas perdas de controle de forma leviana. Todavia, a cada dia que passa se
torna mais evidente nossa vulnerabilidade a instâncias inconscientes, aquelas
das quais nossas atitudes nos fogem o controle. E assim, ciclicamente e invariavelmente,
avançamos, desconstruindo a possibilidade de agir de acordo com a dicotomia “cartesiana-espiritualística”,
derivada de ideais gregários, para apropriar-se da factibilidade evolucionista
apresentada pelo Darwinismo. Nota de esclarecimento: o termo dicotomia não
deixa de existir, mas apenas evidenciar sua existência como pertencente a um
todo, à história do homem e de sua espécie.
Apesar de ter sido descrita de diferentes formas e
com denominações diversas, Freud foi pioneiro em apropriar-se da instância psíquica Inconsciente
elevando-a para um patamar científico - fora do mítico - há mais de um século atrás, servindo-o
de célula embrionária para a criação da psicanálise. Infelizmente, seu projeto
para a construção de uma psicologia científica não teria naquela época
"aparelhagem" suficiente para demonstrar empiricamente a veracidade de suas
investigações, algo necessário para mostrar ao mundo que aquilo que descobrimos é comprovado.
Algumas de suas descobertas, indiscutivelmente
enriquecidas por Jung, se apresentadas hoje, talvez fossem a maior das recompensas
que os fundadores da Psicologia Profunda desejariam presenciar. Agora sim temos
os tão desejados "aparatos tecnológicos" que seriam muito bem utilizados por ambos exploradores da mente humana.
É óbvio que nem Freud, nem Jung se espantariam ao observar
que o lado inconsciente tende a interferir muito mais sobre nossas atitudes do
que possamos imaginar, sendo sim a consciência “a ponta de um Iceberg”. Algo que, aos poucos está sendo mais aceito hoje.
No que concerne aos comportamentos inatos, instintivos
e aprendidos, Jung complementaria Freud com suas hipóteses arquetípicas. Certamente, há bases científicas para
constatar que, ao nascermos, temos predisposições inatas instintivas (ou
circuitarias neurais) para responder a estímulos que respondem
prontamente ao se deparar com o meio, como, por ex. o seio materno, garantindo alimento e
sobrevivência e crescimento para o indivíduo. Tal traço gênico favoreceria alguns
seres sobre outros ao longo de nossa história filogênica.
Por falar em comportamentos instintivos, hoje já há
testes de ativações gênicas ao longo de nossas vidas, desde o
nascimento, que podem ou não ser ativados, de acordo com nossa interação com o
meio ambiente. É evidente que nem todos os comportamentos são instintuais, ou
arquetípicos, mas é claro que em nossa espécie compartilhamos vivências que
podem ser ou não ativadas, de acordo com nossa interação com o meio em que
vivemos. Sabemos que nascemos com uma predisposição para
aprender coisas novas, também. Ademais, para aprimorá-las devemos estimular
nossas capacidades, o que nos dará capacidades mais sólidas para executar
tarefas de forma mais eficazes, como um treino de repetição.
Muitas de nossas experiências e comportamentos não
controlados (inconscientes) podem ser influenciadas por inúmeros elementos na
interação com o meio. Se voltássemos a pensar na ultrapassagem de Vettel sobre
Weber, a alegação do alemão faz sentido. Uma vez que os estímulos
ao qual ele estava submetido durante o “calor” da corrida estavam manifestos, a ponto da ordem da equipe para que permanecesse em sua posição seria
em vão. Seu comportamento foi, portanto, influenciado por uma ativação
arquetípica a tal ponto que, cognitivamente, suas funções superiores corticais, não
permitiriam impedir o traço competitivo e herdado de Vettel que pulsava em suas veias durante os minutos em que fez a ultrapassagem.
Muito curioso pensar que, ainda, não evoluímos tanto
para refletir acerca das implicações das análises complexas e éticas que revolucionam até hoje a moral e ética de nossas atitudes ao constatar esse paradigma. Embora isso seja imprescindível nesses tempos, ter instrumentos para analisar comportamentos que nos façam retomar a
aceitação das teorias de Jung e de Freud, através do debate
científico, o tabuleiro do que está em xeque deixa tudo muito mais interessante, do meu ponto de vista. Isso porque amplia, de forma grande, o modo de ver o homem e o mundo.
Para mim, durante os anos em que me submeti a análise
e fui paciente, posso dizer, com convicção e tranquilidade, que muitas coisas
mudaram em minha vida durante e após o período "analítico". Tanto no que
se refere a uma maior conscientização de meus traços comportamentais inatos,
instintuais e aprendidos, quanto na maneira em que foco variáveis que, de
alguma maneira me fogem à consciência, me influenciando a comportar de
determinadas formas em sob dadas contingências. Todas decisões importantes que constituíram e estão constituindo
parte de minha biografia estão, quer queira conscientemente, quer
inconscientemente, interferindo em meu modo de ser. Só assim, aceito tomar atitudes mais conscientes (assim espero), que me faz agir de acordo com meus
objetivos, sendo ético, amigo e viver de uma forma muito
mais interessante e presente a vida.
Daniel
S. Wajss