quarta-feira, 3 de abril de 2013

Livre arbítrio? Um esboço sobre experiências na Psicologia cotidiana e um convite para reconciliação entre Freud, Jung e ciência contemporânea



Daniel Wajss

Recentemente, lí na internet um comentário sobre uma ultrapassagem polêmica feita por Sebastian Vettel sobre seu companheiro de equipe, Mark Webber, numa das últimas corridas da Fórmula1. Os dois já estavam liderando a corrida. Contudo, por estratégia da equipe, o piloto alemão (considerado melhor) havia recebido uma ordem para permanecer em segunda posição até o término da corrida, “prestigiando” o australiano à primeira colocação. Foi em vão, uma vez que antes do término, o alemão quebrou as ordens, ultrapassando (ou “trapaceando?”) seu parceiro, garantindo, assim, o lugar principal do pódio. Após a corrida, nitidamente abalado, pediu desculpas, alegando ter sido algo “instintivo”, não pensado. Tanto a equipe quanto o australiano repudiaram o ocorrido e, como já era de se esperar, amenizaram a pressão midiática, deixando claro que discutiriam o ocorrido nos bastidores da Redbull.
Não sei ao certo o motivo, mas o incidente repercutiu em mim um estado de introspecção crítica. Foi um “gatilho” que me levou a refletir sobre algo que se resume, grosso modo, à natureza evolutiva do comportamento humano. Ainda que houvesse o pedido de desculpas, ficou nítido o incômodo geral que, certamente, pode gerar perdas nas relações de confiança, tanto dentro quanto fora das pistas e prejuízos maiores a médio e longo prazo. Mas afinal de contas, quem estaria correto? A equipe que, seguramente, quer ver seus dois pilotos campeões no final da temporada? O australiano, que ficou desapontado com a “indisciplina” de seu parceiro? O alemão, por ter feito a ultrapassagem? Será que foi realmente algo impensado essa atitude? Será que, se foi pensado, o pedido de desculpas não serviria para acalmar os ânimos dos campeões e resgatar a harmonia da equipe e seus integrantes? E ademais, quais seriam os fundamentos que explicariam o comportamento de Vettel, aceitando que realmente tratou-se de algo não controlado? Em suma, por que ele agiu desta maneira?
               Para não destrinchar a complexidade deste comportamento, nem transformá-lo num molde acadêmico monótono, decidí discorrer informalmente acerca de uma das causas que interfere há tempos nossas atitudes: nossos pensamentos conscientes e inconscientes.
Vivemos num momento em que discussões de atitudes conscientes e inconscientes expandem-se para diversos campos do conhecimento. Uma das pesquisas que investigam nossas cognições e comportamentos, também conhecidos como explícitos e implícitos (migre.me/dVLGq), buscam avaliar preconceitos pessoais e coletivos diante de temas recorrentes em nossa cultura. Os testes, embasados em áreas multidisciplinares como a neurociência, a psicologia, a sociologia, entre outras, soam consistentes do ponto de vista técnico-científico. Independente da credibilidade a que se possa atribuir o teste supramencionado, sugestiono conhecê-lo e observar algo em pauta em instituições prestigiadas.
               Sempre advoguei que a história se desenvolve de forma cíclica e dicotômica, isto é, girando em torno de um mesmo ponto avançando o "degrau", assim como uma espiral ascendente. Ora, desde o Renascimento até hoje, admitimos agir predominantemente de acordo com a razão, aceitando falhas nas perdas de controle de forma leviana. Todavia, a cada dia que passa se torna mais evidente nossa vulnerabilidade a instâncias inconscientes, aquelas das quais nossas atitudes nos fogem o controle. E assim, ciclicamente e invariavelmente, avançamos, desconstruindo a possibilidade de agir de acordo com a dicotomia “cartesiana-espiritualística”, derivada de ideais gregários, para apropriar-se da factibilidade evolucionista apresentada pelo Darwinismo. Nota de esclarecimento: o termo dicotomia não deixa de existir, mas apenas evidenciar sua existência como pertencente a um todo, à história do homem e de sua espécie.
Apesar de ter sido descrita de diferentes formas e com denominações diversas, Freud foi pioneiro em  apropriar-se da instância psíquica Inconsciente elevando-a para um patamar científico - fora do mítico - há mais de um século atrás, servindo-o de célula embrionária para a criação da psicanálise. Infelizmente, seu projeto para a construção de uma psicologia científica não teria naquela época "aparelhagem" suficiente para demonstrar empiricamente a veracidade de suas investigações, algo necessário para mostrar ao mundo que aquilo que descobrimos é comprovado.
Algumas de suas descobertas, indiscutivelmente enriquecidas por Jung, se apresentadas hoje, talvez fossem a maior das recompensas que os fundadores da Psicologia Profunda desejariam presenciar. Agora sim temos os tão desejados "aparatos tecnológicos" que seriam muito bem utilizados por ambos exploradores da mente humana.
É óbvio que nem Freud, nem Jung se espantariam ao observar que o lado inconsciente tende a interferir muito mais sobre nossas atitudes do que possamos imaginar, sendo sim a consciência “a ponta de um Iceberg”. Algo que, aos poucos está sendo mais aceito hoje.
No que concerne aos comportamentos inatos, instintivos e aprendidos, Jung complementaria Freud com suas hipóteses arquetípicas. Certamente, há bases científicas para constatar que, ao nascermos, temos predisposições inatas instintivas (ou circuitarias neurais) para responder a estímulos que respondem prontamente ao se deparar com o meio, como, por ex. o seio materno, garantindo alimento e sobrevivência e crescimento para o indivíduo. Tal traço gênico favoreceria alguns seres sobre outros ao longo de nossa história filogênica.
Por falar em comportamentos instintivos, hoje já há testes de ativações gênicas ao longo de nossas vidas, desde o nascimento, que podem ou não ser ativados, de acordo com nossa interação com o meio ambiente. É evidente que nem todos os comportamentos são instintuais, ou arquetípicos, mas é claro que em nossa espécie compartilhamos vivências que podem ser ou não ativadas, de acordo com nossa interação com o meio em que vivemos. Sabemos que nascemos com uma predisposição para aprender coisas novas, também. Ademais, para aprimorá-las devemos estimular nossas capacidades, o que nos dará capacidades mais sólidas para executar tarefas de forma mais eficazes, como um treino de repetição.
Muitas de nossas experiências e comportamentos não controlados (inconscientes) podem ser influenciadas por inúmeros elementos na interação com o meio. Se voltássemos a pensar na ultrapassagem de Vettel sobre Weber, a alegação do alemão faz sentido. Uma vez que os estímulos ao qual ele estava submetido durante o “calor” da corrida estavam manifestos, a ponto da ordem da equipe para que permanecesse em sua posição seria em vão. Seu comportamento foi, portanto, influenciado por uma ativação arquetípica a tal ponto que, cognitivamente, suas funções superiores corticais, não permitiriam impedir o traço competitivo e herdado de Vettel que pulsava em suas veias durante os minutos em que fez a ultrapassagem.
Muito curioso pensar que, ainda, não evoluímos tanto para refletir acerca das implicações das análises complexas e éticas que revolucionam até hoje a moral e ética de nossas atitudes ao constatar esse paradigma. Embora isso seja imprescindível nesses tempos, ter instrumentos para analisar comportamentos que nos façam retomar a aceitação das teorias de Jung e de Freud, através do debate científico, o tabuleiro do que está em xeque deixa tudo muito mais interessante, do meu ponto de vista. Isso porque amplia, de forma grande, o modo de ver o homem e o mundo.
Para mim, durante os anos em que me submeti a análise e fui paciente, posso dizer, com convicção e tranquilidade, que muitas coisas mudaram em minha vida durante e após o período "analítico". Tanto no que se refere a uma maior conscientização de meus traços comportamentais inatos, instintuais e aprendidos, quanto na maneira em que foco variáveis que, de alguma maneira me fogem à consciência, me influenciando a comportar de determinadas formas em sob dadas contingências. Todas decisões importantes que constituíram e estão constituindo parte de minha biografia estão, quer queira conscientemente, quer inconscientemente, interferindo em meu modo de ser. Só assim, aceito tomar atitudes mais conscientes (assim espero), que me faz agir de acordo com meus objetivos, sendo ético, amigo e viver de  uma forma muito mais interessante e presente a vida.


Daniel S. Wajss

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

"É preciso sair de casa para crescer?"


               Quando eu tinha aproximadamente vinte anos decidi mudar para outro país, de preferência longe e que fosse “interessante”. Definitivamente, algo me dizia que deveria ir e aquele era o momento. Decidi ir para a Austrália. Tranquei minha faculdade de engenharia ao concluir o quarto semestre e, após longas conversas com meus pais diante de uma oportunidade, ficou acordado que iria estudar intensivamente inglês e trabalhar para me manter independente, seja lá no que fosse. Após isso, regressaria aos meus estudos e retornaria com o meu “diferencial” curricular e, como todos estudantes, conseguiria  iniciar um estágio e ingressar em minha vida profissional com a segurança que a profissão de engenheiro proporciona.
               Se por um lado tudo fora calculado a fios, por outro a minha experiência provou sua insustentabilidade. Primeiro, o que era para durar 5 meses, tornaram-se 10. Segundo, a busca de um emprego que estava se tornando um terror, concretizou-se quando já havia praticamente desistido, uma vez que estávamos todos em um momento de crise e muitos buscavam por empregos, assim não seria um brasileiro que iria conseguir uma vaga de um australiano. Lembro como se fosse hoje o planejamento da entrevista que quebrou esse paradigma: Cada palavra, cada vírgula e cada detalhe da entrevista. Isso porque ela já estava toda simulada em minha cabeça. Na entrevista em que conquistei o emprego não haveria nada que se divergia das demais, a não ser pelo fato de que apostei na ousadia, tentando incansavelmente provar para a gerente de que eu iria fazer a diferença lá dentro. Resolví esquecer o “script” das respostas e improvisar ao meu modo, ou ao modo que “rolasse”. Não precisei terminar de falar. Logo me veio a resposta de que eu seria contratado e que eu precisaria entregar os documentos o quanto antes e que, deveria fazer dois cursos de um dia. Foi um dos episódios mais marcantes de minha vida. Os documentos estavam lá e, ir em busca dos cursos foi meu foco ao sair com um sorriso que representou meu sinal de vitória!
               Em relação ao lugar em que eu estava morando, eu tinha que decidir rapidamente a minha mudança. Isso porque a casa em que estava dividindo com dois estudantes estrangeiros, seria entregue em uma semana. Estava bastante preocupado em resolver minha situação. Apesar de ter garantido o emprego, minha situação financeira não estava fácil.
               Na Universidade, onde havia diversas propagandas e no instituto de línguas, fui atrás de auxílio. Mas tudo estava caro e sabia que conseguiria encontrar um lugar bom e mais barato do que estava aparecendo. Como andava de bicicleta pela cidade e de trem, com a bicicleta dentro, fui em vários lugares para tentar encontrar algum que tivesse um quarto razoável, fosse limpo e pessoas ao menos aparentemente “corretas”. Foi difícil, mas achei e meu salário cobriria as despesas de tudo e sobraria alguma reserva, certamente nada luxuosa.
               Um fato curioso era que morar perto do mar era para mim algo que pesava muito. Realmente estava praticando surfe e poder observar o mar antes de pedalar até a faculdade era algo terapêutico.
               Lembro perfeitamente que para concluir o curso deveria avançar 5 semanas, dentro do que havia pago. Por isso, pedí para fazer uma prova após concluir 5 semanas do módulo avançado que eu havia iniciado. Deu certo. Ninguém iria gostar de estudar inglês lá fora e voltar sem um currículo de conclusão de curso. Não foi fácil só pela prova, mas por inúmeros motivos.
               Aliás, todas essas histórias “triviais” foram marcadas por grandes acontecimentos, sejam para o bem, sejam para o mal. Lembro que em um dos módulos de aula, cada aluno deveria preparar um seminário. Foi bastante chocante para mim a apresentação de um colega palestino. Não pelo fato dele ser palestino e eu judeu, até porque para mim a diferença nunca deve ser motivo para culminar um fim de um relacionamento, muito pelo contrário. Paradoxal saber que, quando ele soube que eu era brasileiro, em nossa apresentação de classe, eu viraria um ídolo, até ele saber minhas raízes judaicas. O seminário apresentado por ele era de ideologia do grupo palestino, dirigente da faixa de Gaza e radical, o Hamás. Pregava a exclusão de Israel. Lembro que ele olhava para mim durante seu seminário com ódio. Dizia, como em vários discursos anti-semitas, a extinção e o não reconhecimento de um estado judeu. O seminário virou mais uma pregação anti-semita que um simples seminário para concluir o curso de inglês. Dizia que eles nunca iriam desistir da Palestina inteira, seja lá o que fosse necessário fazer.
               Foi bastante complicado lidar com essa situação, uma vez que, infelizmente, apesar de eu ter estudado durante um curto período de minha vida em um colégio judaico, eu ainda estava longe de compreender a complexidade desse conflito que existe desde a criação do estado judeu para debater com propriedade. Além disso, ficara claro que qualquer colocação minha seria refutada, suas ideias estavam solidificadas que nem uma crosta. Certamente, ele estava lá sendo financiado para estudar engenharia e auxiliar no futuro de seu país no futuro, digo, país, porque creio na coexistência de um estado palestino e outro judaico. Os vínculos desse rapaz com membros políticos extremistas da palestina eram evidentes. Permanecí em meu lugar enquanto ele jogava sua raiva em defesa de seu povo, olhando a situação de forma completamente unilateral. Enquanto a maioria da classe, formada por chineses e sul-coreanos, nem sequer parecia ter algum conhecimento do conflito, ou ao menos, não demonstravam isso, eu dizia que a situação era muito complexa para ser levada num seminário daquela natureza. Disse que não conhecia a fundo a problemática da situação, mas que certamente a ideia de excluir Israel parecia, para mim, triste e inviável. Após o seminário, ele veio para cima de mim e trocamos algumas “pancadas”, tive de me defender. Fomos separados pela professora que, junto à coordenação, me pediu desculpas. Ele foi transferido para outra classe. Ganhei um olho roxo no dia seguinte. E eu, nem sequer sigo as tradições de minha ancestralidade cultural e religiosa, nem sequer concordo com muitas interpretações ideológicas que são propagadas como reais e fixas. Mas tenho a origem e, não posso negar, ainda que sofra com isso até hoje.
               Muitos outros eventos ocorreram: quando fui postergar meu visto para permanecer na Australia, a imigração descobriu que eu detinha um visto “errado”, pois no código dizia que eu era voluntário. Tive de ouvir muito na imigração. Quando me defendí, dizendo que estava custando caro viver lá e que eu estava dando dinheiro para o país, além de que, se havia um erro no meu visto, isso não era problema meu, e sim um erro provavelmente decorrente na embaixada australiana no Brasil. Fiquei feliz em conseguir me posicionar, mas preocupado com o fato de que a mulher que havia me recebido me ameaçava deportar da Australia, algo que realmente eu não duvidava que poderia acontecer. Disse ainda que meu inglês era bom demais para eu pedir uma extensão de curso. Desta forma, “não via motivos em confiar em mim”(sic). Foi lamentável a situação. Dormí num albergue em Sydney com o pouco dinheiro que havia em minha carteira para resolver a situação no dia seguinte, sem ter de voltar para Newcastle, o que seria inviável. No final, tudo ocorreu bem. Viram pelo sistema que realmente acontecera um erro de digitalização no consulado do Brasil, o que mudou a postura de forma radical da moça que havia se responsabilizado de minha situação.
               Ligar para o Brasil era muito caro. Além disso, o fuso horário era de 25horas de diferença. Poucas vezes pude ligar para resolver ou pedir auxílio para problemas críticos como esse. Mas, por incrível que pareça, de pequenas histórias vamos aprendendo a ver o mundo com outros olhos. Não posso deixar de dizer de coisas muito positivas que experienciei lá. Eu era muito bem tratado por ser brasileiro. Parece que a cultura por sí só já gera uma curiosidade enorme por parte dos estrangeiros e australianos que encontrei por alí.
               O choque cultural é muito grande. Mas crescí demais durante esse tempo. Amadurecí coisas que não teria amadurecido em anos vivendo “em casa”. Viver em uma outra cultura me obrigou a ver eles sob a óptica deles, o que foi definitivo para decidir que o humano é um ser incrível.
               A diversidade da flora e fauna lá era algo maestral. As paisagens me marcaram muito. Os animais, os cantos dos pássaros, as aranhas nativas que eram frequentemente encontradas nas casas, o barulho dos sapos durante a noite...tudo isso me fascinava.
               Morando lá pude ver que as pessoas não tinham o mesmo ritmo que aqui no Brasil. Ou seja, elas se formavam na escola e frequentavam a Universidade bem mais adiante. Não havia muita cobrança como aqui: “se forma já sabendo a faculdade que vai prestar”. Acho que foi ter contato com essa tranquilidade que decidi que estudaria psicologia. Depois de observar o quanto uma cultura era diferente da outra, ví com meus olhos coisas impressionantes. Coisas que nos faz ver o lado bom e ruim de nosso pais, que faz com que percebamos que ele não é nem melhor nem pior, apenas diferente. Ver a diversidade dos animais e observar as interações humanas me convocaram para a psicologia. Era o que eu queria estudar. Eu queria compreender as interações, nosso funcionamento, porque agimos de um jeito e eles de outro, qual as nuances pessoais, quais culturais. Tanto dos humanos quanto dos animais. Isso tudo nitidamente, já havia notado, era decorrente do contexto em que vivemos. Eu queria ir a fundo nisso e descobrí que não conseguiria prosseguir com a engenharia mais. Não fazia mais sentido naquele momento para mim. Eu tinha sede de estudar coisas que não estavam diretamente ligadas à matemática, apesar de hoje a neurociência e a etologia mostrarem isso cada vez mais de forma consistente.
               Minha paixão pelos bichos, pelos homens e pelo mundo só apareceu quando eu saí de casa. Foi me perdendo pelo mundo que eu me encontrei. Quando estava mais preparado em não encontrar ninguém ao meu lado para socorrer. Tive que sair de casa para perceber isso.
               Nesse ano mudei para Natal, por motivos dessa vez conhecidos. Parece que “nosso encontro conosco” só ocorre quando nos abrimos para o mundo que se abre. E nosso encontro com o mundo só se dá quando saímos de casa, literalmente. Só assim valorizamos também, o quanto nossa família é importante, nossos amigos leais e os atos mais simples de bondade que ocorrem em pequenas atitudes e de boa fé. Há poucos dias fiz uma prova de mestrado na UFRN a qual me dediquei muito para passar. Uma prova que era definitiva para mim, em todos aspectos, além do simbólico, que seria determinante para minha vinda para Natal. Com muito esforço, passei. Passei no que queria, em Psicobiologia e serei orientado por um amigo e grande neurocientista, cujos cafés compartilhados me rendem ideias geniais que me motivam muito.
Compreender o ser humano é uma tarefa fantástica e prazerosa que caiu em meu destino. Há muito o que fazer, há muito o que aprender, a começar a “ensinar” que quem estuda o “cérebro”, ou melhor, quem é um “cientista” não vê o cérebro de forma não integrada ao corpo, como muito se fala por aí. Não há separação entre razão e emoção, como disse Descartes. Estudar o que se passa em nosso cérebro permite visualizar o que se passa em nosso corpo e em nosso “eu” de forma holística, porque mente e corpo são coisas indivisíveis. Cada vez mais estamos integrando, de forma multidisciplinar, as áreas do conhecimento para conhecer melhor a natureza, da qual fazemos partes. Ter passado em Mestrado em Psicobiologia, numa Universidade Federal renomada, em um lugar maravilhoso, foi e será um marco em minha vida. Um laboratório a céu aberto, com muitas coisas para fazer e, melhor, com muito prazer.
Voltando ao título me pergunto como comecei a escrever esse texto até chegar aqui. Talvez, a resposta que eu estava procurando ainda desemboque em questionamentos. Creio que no aspecto simbólico, sair de casa significa seguir adiante e se apropriar de nossas experiências que, por bem, nos fazem conhecer quem somos e o que podemos e queremos fazer para nos tornarmos melhores e realizados. E claro, menos ingênuos.

domingo, 5 de agosto de 2012

(In) tolerâncias: reflexões sobre crenças e suas implicações nas relações humanas


“Uma questão de crença”

Ouve-se por aí que o brasileiro é um povo que tem fé, é bastante religioso (o que de fato constata-se em pesquisas estatísticas – a maior população de católicos do mundo reside aqui). Diz-se por aí, também, que somos supersticiosos e nos interessamos bastante por fenômenos “paranormais”, independentes de termos ou não uma religião assumida.
Primeiro: diferentemente do que a maioria dos críticos afirma (em especial os céticos, tal como eu), acho inadmissível concluir que esse jeito de ser “brasileiro místico” seja reflexo do baixo índice de escolaridade no país. Isso é preconceito e desconsidera riquezas culturais e folclóricas que produziram grandes ensinamentos.
Segundo: a busca por explicações grandiosas, divinas, superiores e espirituais sempre foi algo coletivo e presente em nossa natureza humana, para qualquer povo do mundo e em qualquer época. Ao longo da história, mesmo antes de documentações gregas ou anteriores, a sensação de todos se perguntarem de onde viemos, porque estamos aqui e para onde iremos, sempre fundamentaram esses questionamentos há milênios.
Terceiro: É importante ressaltar que, apesar de frequente, nem sempre esses questionamentos seguiram motivados com propósitos de acolher uma angústia humana, uma “cura” ou proteção. Apesar de, como dito anteriormente, ela ocorrer com mais frequência em momentos de sofrimento e necessidade de ajuda.
Quarto: Não devemos ver com desgosto qualquer tipo de crença, contanto que ela não tenha propósitos impositivos para o outro. O que, para mim, seria sinônimo de fanatismo. Dessa maneira, o que mais me chama a atenção está nos extremos. Tanto o religioso que força seu semelhante a uma conversão quanto o ateu convicto e inconformado tem, a meu ver, um “deleite” fanático.
Há algum tempo atrás, muitos se manifestaram inconformados com as repercussões de como o tal falado “João de Deus” poderia estar tão famoso e o quanto o povo que o visitara era ignorante e estava sendo manipulado por uma “lavagem cerebral”. Como não há comprovações científicas, realmente fica difícil aceitar de “bate-pronto” muitas ideias. Mas a crença coletiva explica, junto com a antropologia e descobertas das Neurociências, por exemplo, muitas possibilidades de “curas” com determinados rituais praticados. Um deles, os relacionados ao uso do chá do Santo Daime, através do uso da Ayahuasca.
Em relação ao papel da educação, vale lembrar que ela não escapa de ser um dispositivo de acesso à informação e institucionalmente detém um papel, por excelência, em ser crítica e ao mesmo tempo construtiva para a sociedade. Mas que deve ser desprovido de “ideologias”. Um povo que tem acesso às informações de maneira formatada não sente-se obrigado a mexer em algo que está pronto. Ou seja, tende a reproduzir e isso é incompatível com o verdadeiro papel de educar. Além do mais, isso tem consequências bastante catastróficas, porque educar, em sua essência, ultrapassa os limites do simples saber.
Mas voltando à velha discussão vinculada à educação, muitos leitores talvez concordem comigo que um povo com boa educação é aquele que respeita as crenças do outro, sem preconceitos. Mesmo que discorde delas. O educado aceita o outro em sua forma de ser, não impõe suas crenças, discute e está aberto ao confronto com suas próprias convicções. Não rebaixa, mas ouve, reflete e se posiciona de igual para igual.
Como dito anteriormente, programas sensacionalistas, que falavam sobre as curas mediúnicas de “João de Deus”, muitos criticaram fervorosamente uma suposta ignorância daqueles a que submetiam-se a tais rituais. Quer postura mais estúpida e ignorante do que criticar aqueles que escolhiam ver o tal do “curador” como uma alternativa ao seu sofrimento? Ler um pouco de antropologia, Lévi-Strauss, Montaigne talvez esfacele pensamentos sólidos da dita elite do conhecimento a rever seus conceitos. Qual o problema de alguém acreditar em algo ou em alguém de forma que seus pensamentos não interfiram no outro, a não ser a si mesmo? A força de uma crença é muito grande e quando compartilhada coletivamente pode ter uma dimensão de extremo poderio. Isso já foi muito falado, inclusive por Freud e Jung. Mas ainda faltam aparatos para medirmos ou “equacionarmos” o poder da crença.
Lembro que as melhores aulas que eu frequentei geralmente ocorreram fora das salas de aulas e, muito frequentemente, nos lugares e em situações inusitadas. Com pessoas também inusitadas. São momentos de viradas, em que colocamos por água abaixo tudo aquilo que achávamos que estava certo e nos desconcertamos. Refletimos e nos reestruturamos em nossas tramas mentais aquilo que estava consolidado em nossa memória, aprendida e muitas vezes, “enferrujada”. O novo ocorre pela possibilidade de deixar-se envolver-se pelo acaso. O novo nos faz crescer. Acreditar ou não em algo se encaixa nisso, quando nos permitimos colocar aquilo que aprendemos à prova. Apenas nosso contínuo confronto com nós mesmos nos dá autoridade sobre nós e nos torna individuais, únicos e capazes de nos posicionar diante de uma cultura, ao mesmo tempo que acatamos e aprendemos dentro dela.
Para isso é preciso ouvir, debater, viver, reviver para criar e recriar nossas próprias crenças, porque não são estáticas. Nós, humanos, sempre vivemos de crenças, mas estamos nos recriando sempre e crescendo com as quebras de crenças passadas. A renovação da vida está na fluidez de como encaramos ela. Criticar algo sem nem mesmo tentar compreender o que se passa na vida de cada um é um erro fatal, mas infelizmente isso é frequente. Pode nos transformar em humanos agressivos, competitivos, sem compaixão e com a falsa sensação de superioridade diante do outro. Os avanços da boa ciência e das práticas psicológicas tem consciência disso. O debate da boa educação deve abarcar tudo e ao mesmo tempo nada. É preciso deixar-se levar para depois voltar e visualizar de uma forma mais inteira as questões de porque temos convicções. Só dessa maneira podemos evoluir e talvez respeitar as diferenças.
Impor uma crença é um ato de violência, assim como considero violento não escutar ao próximo, quando convocado. Porque se alguém vai a uma seita ou “ritual mágico” e se sente bem deve ser discutido numa sessão de terapia, por exemplo? Cada um é soberano em suas escolhas e crenças. Todos nós somos preconceituosos, no sentido de que nossa história exige de nós uma interpretação para enxergar os fenômenos. Isso é algo adaptativo. No entanto, nunca podemos fazer de nossas crenças uma verdade absoluta a ponto de querer impor algo a alguém. A ligação entre nós, humanos, é a comunicação. A origem da palavra está em tornar algo comum, compartilhar. É a partir do diálogo, das experiências e de nossa história que criamos nosso mundo. Mas ele deve ser compartilhado e vivido de forma a amar as diferenças e não repudiá-las.
Mergulhar em outra cultura é tornar-se ciente de que isso é talvez um dos passos mais nobres que um homem pode dar. A busca da verdade de cada um, ou seja, das crenças, são criações humanas muito particulares. O fanático impõe aquilo que ele já tem de pronto e estabelecido em sua trama pessoal de conhecimento e quer impor ao outro, como disse uma vez Calligaris. O nobre é aquele que sabe que impor algo é uma tentativa de privar a liberdade do outro e a sua própria. Por isso, sejamos mais tolerantes com as crenças, se elas não são impostas e não violentas para nós, não há motivos para revoltas, mas para crescimento de todos os lados. As crenças nos tornam únicos e sociais dentro de um grupo homogêneo, transformando-o em um grupo mais heterogêneo. Paradoxalmente, ao mesmo tempo, são fluídas e corrente de vida.

Daniel Stephan Wajss

domingo, 22 de julho de 2012

A dificuldade de lidar com a perda e a importância do luto


A dificuldade de lidar com a perda e a importância do luto
Nunca aprendemos a lidar efetivamente com uma perda, inclusive previsível, até que ela ocorra (como a de um parente idoso ou alguém doente). Por mais que pensemos estar preparado com aquilo que aponta que vai ocorrer em breve, nunca estamos. Uma das explicações óbvia é a de que experienciar a dor de qualquer perda é muito particular e distinta para cada um. Isso é para tudo na vida. Certamente a morte de um ente querido é a maneira mais clara de ilustrar com clareza isso.
Em minha última visita para São Paulo, há duas semanas aproximadamente, recebí o telefone daqueles que nunca nos esquecemos. Era a voz de um familiar dizendo que meu avô havia falecido. Tudo ao meu redor mudou: a noção de tempo, a luz do dia, que estava ensolarado, tornou-se cinzenta, outras partes de meus sentidos se confundiam enquanto minha vida subjetiva corroía de forma desgastante milhares de memórias, como se o processo de indigestão tivesse acabado de se iniciar. Forçando-me ao início da elaboração da perda e ao processo de digestão.
É nessas horas que percebemos, com intensidade, nossa fragilidade humana e nossa impotência diante de todas as coisas, cujo poder que nos iludimos ter, transforma-se em água e se dirige amorfa, para o ponto mais baixo para escoamento. Mas por que sofremos tanto se sabemos que isso vai acontecer um dia? Afinal de contas, não nos cansamos de escutar desde criança que a morte é a única certeza da vida?
Pois bem, ainda somos atraídos pela ideia ilusória de que as coisas são infinitas, mesmo que inconscientemente.
A perda de meu avô, prestes a completar 98 anos, foi um exemplo dessa ilusão dentro de mim. Inconscientemente, ele era imortal até a semana passada. Não era raro brincarmos que sua saúde era tão boa que dizíamos ser ele a “prova de balas”. Pois sempre gozou de uma excelente saúde.
Meu avô faleceu indo ao parque caminhar. Dois dias antes eu havia conversado com ele e em pouco tempo de conversa, sua alma serena permitiu, como sempre, nos divertir com risadas da vida cotidiana. Ele sabia que estava longe dos seus 100%, mas isso era o de menos. Ele sempre demonstrou aproveitar cada momento da vida, independente das coisas inóspitas do mundo. Ele sabia que a melhor forma de lidar com o sofrimento seria através do bom humor, do amor, da compaixão e da garra. Por isso que eu sou grato por ter tido sua companhia durante anos e parte de sua genética.
Meu avô se foi e não voltará, mas eternizou em mim qualidades que carregarei comigo até a minha morte. Ele era um cara de presença. Ensinou que para ser um grande homem não era preciso ser durão, apenas sagaz. Sua sensibilidade ele guardava muitas vezes para sí.
Jamais imaginei que sua morte iria mexer tanto comigo e com minha família. Afinal de contas, em meu imaginário ele era imortal. Ele soube aproveitar a vida. Foi embora da mesma forma que ele viveu. Sempre sereno, com um sorriso elegante e aproveitando todas as possibilidades de fazer as piadas respeitosas e espertas.
A morte de alguém, como muitos sabem, deixam elas mais presentes mesmo quando vivas. Talvez, ela tenha esse papel mesmo: o de dar vida e continuidade às futuras gerações. A finitude da vida nos ensina uma das características mais importantes e nobres que devemos ter: Arriscar e nunca abdicar pelas nossas realizações, por mais difíceis e custosas que possam aparentar ser.
Penso que nossa liberdade é a nossa dignidade. E isso se encaixa na ideia de que nunca devemos abdicar pelas coisas que decidimos para nossa vida, ainda que estejamos errado. Escolher nosso caminho “errante” é mais importante do que ser manipulado por alguém que não seja você. Nada vale mais do que a nossa própria decisão e responsabilidades que fazem parte de nossas escolhas. “Você fez, agora você paga”. Mas é claro que não nos construímos sozinhos, somos sociais e temos deveres e obrigações éticas. Não falo aqui de uma anarquia, mas de escolhas sabendo lidar com as consequências, faz parte da maturidade.
Já ouví que sabedoria advém de nossas vivências e experiências. É paradoxal pensarmos que é justamente através de nossos erros e de nossas escolhas que acumulamos mais experiências, ou seja, a grosso modo, quando escolhemos errado é quando aprendemos mais e adquirimos mais experiências.
Isso caracteriza um pouco da importância simbólica de qualquer luto. Quando fazemos uma escolha, perdemos possibilidades.
Uma imagem que guardo de meu avô e que ficará para mim é a de um cara simples. Que cuida de uma casa de fazenda, acordando às cinco da manhã, oferecendo “gemada com vinho do porto”. Comer bem, se alimentar e sair para fazer o necessário. Guardo imagens de como meu avô falava com o olhar. Dava surras com o olhar e falava que amava a todos nós com seu olhar. Não são só palavras que passam mensagens, somos seres visuais. Muitos sabem que o silêncio fala muito mais. Ele tinha isso, ele viveu muito, teve experiências.
Foi-se embora o mais velho de uma prole numerosa e intensa. O preço da morte talvez seja então, a partir desses pensamentos, um ganho. Um ganho de uma lição, de uma pessoa que soube viver, respeitando cada um e dando o seu ponto de vista sem escolher pelo outro. Ele pensava muito bem antes de responder. Sua lucidez era insuportável. Ele já não ouvia bem, quando não era conveniente, ele já não enxergava mais, quando era conveniente e ele não precisava falar, quando ele precisava falar apenas o necessário. Um homem de poucas palavras, mais sorria e olhava.
Agora me despeço dele, não triste, mas emocionado, pensando e sentindo que ele soube aproveitar cada momento. Essa é uma das belezas de sua história.
O desafio em “aliviar” uma perda não ocorre com o tempo, isso é ilusório também, mas com o confronto daquilo que ela significou para cada um. Ficamos sujeitos a elaborar, cada um de sua forma, aquilo que escolhemos, aquilo que perdemos e aquilo que seguiremos até o fim de nossas vidas.
Portanto, por esse viés, o desafio de lidar com o luto seja o ganho experimental de resignarmos para a finitude da vida. Força-nos agarramos a importância que cada um de nós temos enquanto protagonistas de nossa história e do que queremos deixar em nosso legado.

quarta-feira, 7 de março de 2012

“Pesquisandador no singular e plural”

Por hora, mais uma dose de pinga Senhor, por favor, que ainda estou em Sampa!
Encorajar e dar meu grito de liberdade ou sentença de meu próprio destino pede goles e estômago.
Vou sair de casa, vou-me para o Nordeste, viver o que tenho e quero viver
Ainda há resquícios de molecagem em minha alma e não renuncio a isso tão cedo,
Minha essência parece residir nessa qualidade arquetípica de herói teimoso

Já havia pensado nisso antes, mas a semente agora desabrochou
E cá estou, depois de vagar pelas esquinas da vida
Vagabundo aos moralistas, advindos da gente fina estampa, se não tenho pé na esquerda, acredito na democracia
Magro ou gordo eu vou vivendo, não importa se de migalha de pão ou de terra farta, mas sem caviar
Na terra do feijão acredito em mundo melhor, meu pacto com a comunidade é aberto e declarado

Sou encontro marcado pelo acaso e imprevistos da vida
Não me constituí sozinho, sou singular e plural, quero opiniões
Vários eus, vários outros, várias situações...mas não nasci para ser bonzinho querido por todos
Sou nômade, vou vagando pelas esquinas da vida carregando comigo lembranças e adquirindo outras

Antes de tudo busco a vida interessante,
Nem mesquinha ou excessiva, mas com sua dada intensidade
Vou vivendo e aprendendo, cada dia, cada noite
Nasce um outro sol, uma outra lua como sempre, mas...
Não esqueço de meu destino e de meus propósitos, “aquilo que faz minha vida ser digna de ser vivida”

Vou indo trabalhar por uma boa causa,
Não sou de ficar parado, sou de andar, fazer acontecer, tenho metas, arrogante posso parecer
Ainda que vague pelo desconhecido e quiças,
escuro na terra do sol sob sombras que quero e devo explorar.
Eu vou, por que não?

Escolhi a vida simples e interessante,
Vou crescer
Ver outra parte de meu país, a esquina continental da América do Sul
Quero estar presente e comemorar o que irá nascer e acordar, um sonho real

Vou ver, saber, buscar, ir atrás e trabalhar,
Fazer acontecer...  devo voltar, mas bem mais para frente e bem diferente,
Independente do que acontecer,
Terei a tranquilidade de ter vivido e optado meu destino,

Louco para alguns, playboy para outros, desconhecido para a maioria,
Talvez só os mais próximos me conheçam, figuras divinas?
Mas tenho sorte em meu nome ter o “só Deus pode me julgar”,
Aqui estou para fazer o que sei, o que quero e o que busco
Trabalhar no lugar perto de onde a caatinga fez nascer talvez o homem mais forte,
Vim visitá-lo e aprender o que ele tem a me ensinar

Sei amar com carinho as pessoas e o que faço com afinco, agarrarei a causa social também
É fenômeno ali...vai acontecer, a terra vai virar...a Copa vai passar por lá também
Muitos dribles vão acontecer, mas se alguém tem que ganhar, vamos vencer para empatar...
nada de pão e circo...
Quanto à capoeira, a gente aprende junto, todos são bem-vindos...à Natal

Introdução
Diário do Pesquisandador Daniel Wajss