quarta-feira, 3 de abril de 2013

Livre arbítrio? Um esboço sobre experiências na Psicologia cotidiana e um convite para reconciliação entre Freud, Jung e ciência contemporânea



Daniel Wajss

Recentemente, lí na internet um comentário sobre uma ultrapassagem polêmica feita por Sebastian Vettel sobre seu companheiro de equipe, Mark Webber, numa das últimas corridas da Fórmula1. Os dois já estavam liderando a corrida. Contudo, por estratégia da equipe, o piloto alemão (considerado melhor) havia recebido uma ordem para permanecer em segunda posição até o término da corrida, “prestigiando” o australiano à primeira colocação. Foi em vão, uma vez que antes do término, o alemão quebrou as ordens, ultrapassando (ou “trapaceando?”) seu parceiro, garantindo, assim, o lugar principal do pódio. Após a corrida, nitidamente abalado, pediu desculpas, alegando ter sido algo “instintivo”, não pensado. Tanto a equipe quanto o australiano repudiaram o ocorrido e, como já era de se esperar, amenizaram a pressão midiática, deixando claro que discutiriam o ocorrido nos bastidores da Redbull.
Não sei ao certo o motivo, mas o incidente repercutiu em mim um estado de introspecção crítica. Foi um “gatilho” que me levou a refletir sobre algo que se resume, grosso modo, à natureza evolutiva do comportamento humano. Ainda que houvesse o pedido de desculpas, ficou nítido o incômodo geral que, certamente, pode gerar perdas nas relações de confiança, tanto dentro quanto fora das pistas e prejuízos maiores a médio e longo prazo. Mas afinal de contas, quem estaria correto? A equipe que, seguramente, quer ver seus dois pilotos campeões no final da temporada? O australiano, que ficou desapontado com a “indisciplina” de seu parceiro? O alemão, por ter feito a ultrapassagem? Será que foi realmente algo impensado essa atitude? Será que, se foi pensado, o pedido de desculpas não serviria para acalmar os ânimos dos campeões e resgatar a harmonia da equipe e seus integrantes? E ademais, quais seriam os fundamentos que explicariam o comportamento de Vettel, aceitando que realmente tratou-se de algo não controlado? Em suma, por que ele agiu desta maneira?
               Para não destrinchar a complexidade deste comportamento, nem transformá-lo num molde acadêmico monótono, decidí discorrer informalmente acerca de uma das causas que interfere há tempos nossas atitudes: nossos pensamentos conscientes e inconscientes.
Vivemos num momento em que discussões de atitudes conscientes e inconscientes expandem-se para diversos campos do conhecimento. Uma das pesquisas que investigam nossas cognições e comportamentos, também conhecidos como explícitos e implícitos (migre.me/dVLGq), buscam avaliar preconceitos pessoais e coletivos diante de temas recorrentes em nossa cultura. Os testes, embasados em áreas multidisciplinares como a neurociência, a psicologia, a sociologia, entre outras, soam consistentes do ponto de vista técnico-científico. Independente da credibilidade a que se possa atribuir o teste supramencionado, sugestiono conhecê-lo e observar algo em pauta em instituições prestigiadas.
               Sempre advoguei que a história se desenvolve de forma cíclica e dicotômica, isto é, girando em torno de um mesmo ponto avançando o "degrau", assim como uma espiral ascendente. Ora, desde o Renascimento até hoje, admitimos agir predominantemente de acordo com a razão, aceitando falhas nas perdas de controle de forma leviana. Todavia, a cada dia que passa se torna mais evidente nossa vulnerabilidade a instâncias inconscientes, aquelas das quais nossas atitudes nos fogem o controle. E assim, ciclicamente e invariavelmente, avançamos, desconstruindo a possibilidade de agir de acordo com a dicotomia “cartesiana-espiritualística”, derivada de ideais gregários, para apropriar-se da factibilidade evolucionista apresentada pelo Darwinismo. Nota de esclarecimento: o termo dicotomia não deixa de existir, mas apenas evidenciar sua existência como pertencente a um todo, à história do homem e de sua espécie.
Apesar de ter sido descrita de diferentes formas e com denominações diversas, Freud foi pioneiro em  apropriar-se da instância psíquica Inconsciente elevando-a para um patamar científico - fora do mítico - há mais de um século atrás, servindo-o de célula embrionária para a criação da psicanálise. Infelizmente, seu projeto para a construção de uma psicologia científica não teria naquela época "aparelhagem" suficiente para demonstrar empiricamente a veracidade de suas investigações, algo necessário para mostrar ao mundo que aquilo que descobrimos é comprovado.
Algumas de suas descobertas, indiscutivelmente enriquecidas por Jung, se apresentadas hoje, talvez fossem a maior das recompensas que os fundadores da Psicologia Profunda desejariam presenciar. Agora sim temos os tão desejados "aparatos tecnológicos" que seriam muito bem utilizados por ambos exploradores da mente humana.
É óbvio que nem Freud, nem Jung se espantariam ao observar que o lado inconsciente tende a interferir muito mais sobre nossas atitudes do que possamos imaginar, sendo sim a consciência “a ponta de um Iceberg”. Algo que, aos poucos está sendo mais aceito hoje.
No que concerne aos comportamentos inatos, instintivos e aprendidos, Jung complementaria Freud com suas hipóteses arquetípicas. Certamente, há bases científicas para constatar que, ao nascermos, temos predisposições inatas instintivas (ou circuitarias neurais) para responder a estímulos que respondem prontamente ao se deparar com o meio, como, por ex. o seio materno, garantindo alimento e sobrevivência e crescimento para o indivíduo. Tal traço gênico favoreceria alguns seres sobre outros ao longo de nossa história filogênica.
Por falar em comportamentos instintivos, hoje já há testes de ativações gênicas ao longo de nossas vidas, desde o nascimento, que podem ou não ser ativados, de acordo com nossa interação com o meio ambiente. É evidente que nem todos os comportamentos são instintuais, ou arquetípicos, mas é claro que em nossa espécie compartilhamos vivências que podem ser ou não ativadas, de acordo com nossa interação com o meio em que vivemos. Sabemos que nascemos com uma predisposição para aprender coisas novas, também. Ademais, para aprimorá-las devemos estimular nossas capacidades, o que nos dará capacidades mais sólidas para executar tarefas de forma mais eficazes, como um treino de repetição.
Muitas de nossas experiências e comportamentos não controlados (inconscientes) podem ser influenciadas por inúmeros elementos na interação com o meio. Se voltássemos a pensar na ultrapassagem de Vettel sobre Weber, a alegação do alemão faz sentido. Uma vez que os estímulos ao qual ele estava submetido durante o “calor” da corrida estavam manifestos, a ponto da ordem da equipe para que permanecesse em sua posição seria em vão. Seu comportamento foi, portanto, influenciado por uma ativação arquetípica a tal ponto que, cognitivamente, suas funções superiores corticais, não permitiriam impedir o traço competitivo e herdado de Vettel que pulsava em suas veias durante os minutos em que fez a ultrapassagem.
Muito curioso pensar que, ainda, não evoluímos tanto para refletir acerca das implicações das análises complexas e éticas que revolucionam até hoje a moral e ética de nossas atitudes ao constatar esse paradigma. Embora isso seja imprescindível nesses tempos, ter instrumentos para analisar comportamentos que nos façam retomar a aceitação das teorias de Jung e de Freud, através do debate científico, o tabuleiro do que está em xeque deixa tudo muito mais interessante, do meu ponto de vista. Isso porque amplia, de forma grande, o modo de ver o homem e o mundo.
Para mim, durante os anos em que me submeti a análise e fui paciente, posso dizer, com convicção e tranquilidade, que muitas coisas mudaram em minha vida durante e após o período "analítico". Tanto no que se refere a uma maior conscientização de meus traços comportamentais inatos, instintuais e aprendidos, quanto na maneira em que foco variáveis que, de alguma maneira me fogem à consciência, me influenciando a comportar de determinadas formas em sob dadas contingências. Todas decisões importantes que constituíram e estão constituindo parte de minha biografia estão, quer queira conscientemente, quer inconscientemente, interferindo em meu modo de ser. Só assim, aceito tomar atitudes mais conscientes (assim espero), que me faz agir de acordo com meus objetivos, sendo ético, amigo e viver de  uma forma muito mais interessante e presente a vida.


Daniel S. Wajss

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