A dificuldade de lidar com a perda e a importância
do luto
Nunca
aprendemos a lidar efetivamente com uma perda, inclusive previsível, até que
ela ocorra (como a de um parente idoso ou alguém doente). Por mais que pensemos
estar preparado com aquilo que aponta que vai ocorrer em breve, nunca estamos. Uma
das explicações óbvia é a de que experienciar a dor de qualquer perda é muito
particular e distinta para cada um. Isso é para tudo na vida. Certamente a
morte de um ente querido é a maneira mais clara de ilustrar com clareza isso.
Em
minha última visita para São Paulo, há duas semanas aproximadamente, recebí o
telefone daqueles que nunca nos esquecemos. Era a voz de um familiar dizendo
que meu avô havia falecido. Tudo ao meu redor mudou: a noção de tempo, a luz do
dia, que estava ensolarado, tornou-se cinzenta, outras partes de meus sentidos se
confundiam enquanto minha vida subjetiva corroía de forma desgastante milhares de
memórias, como se o processo de indigestão tivesse acabado de se iniciar.
Forçando-me ao início da elaboração da perda e ao processo de digestão.
É
nessas horas que percebemos, com intensidade, nossa fragilidade humana e nossa
impotência diante de todas as coisas, cujo poder que nos iludimos ter,
transforma-se em água e se dirige amorfa, para o ponto mais baixo para
escoamento. Mas por que sofremos tanto se sabemos que isso vai acontecer um
dia? Afinal de contas, não nos cansamos de escutar desde criança que a morte é
a única certeza da vida?
Pois
bem, ainda somos atraídos pela ideia ilusória de que as coisas são infinitas,
mesmo que inconscientemente.
A
perda de meu avô, prestes a completar 98 anos, foi um exemplo dessa ilusão
dentro de mim. Inconscientemente, ele era imortal até a semana passada. Não era
raro brincarmos que sua saúde era tão boa que dizíamos ser ele a “prova de
balas”. Pois sempre gozou de uma excelente saúde.
Meu
avô faleceu indo ao parque caminhar. Dois dias antes eu havia conversado com
ele e em pouco tempo de conversa, sua alma serena permitiu, como sempre, nos
divertir com risadas da vida cotidiana. Ele sabia que estava longe dos seus 100%,
mas isso era o de menos. Ele sempre demonstrou aproveitar cada momento da vida,
independente das coisas inóspitas do mundo. Ele sabia que a melhor forma de
lidar com o sofrimento seria através do bom humor, do amor, da compaixão e da
garra. Por isso que eu sou grato por ter tido sua companhia durante anos e parte
de sua genética.
Meu
avô se foi e não voltará, mas eternizou em mim qualidades que carregarei comigo
até a minha morte. Ele era um cara de presença. Ensinou que para ser um grande
homem não era preciso ser durão, apenas sagaz. Sua sensibilidade ele guardava
muitas vezes para sí.
Jamais
imaginei que sua morte iria mexer tanto comigo e com minha família. Afinal de
contas, em meu imaginário ele era imortal. Ele soube aproveitar a vida. Foi
embora da mesma forma que ele viveu. Sempre sereno, com um sorriso elegante e
aproveitando todas as possibilidades de fazer as piadas respeitosas e espertas.
A
morte de alguém, como muitos sabem, deixam elas mais presentes mesmo quando
vivas. Talvez, ela tenha esse papel mesmo: o de dar vida e continuidade às
futuras gerações. A finitude da vida nos ensina uma das características mais
importantes e nobres que devemos ter: Arriscar e nunca abdicar pelas nossas
realizações, por mais difíceis e custosas que possam aparentar ser.
Penso
que nossa liberdade é a nossa dignidade. E isso se encaixa na ideia de que nunca
devemos abdicar pelas coisas que decidimos para nossa vida, ainda que estejamos
errado. Escolher nosso caminho “errante” é mais importante do que ser
manipulado por alguém que não seja você. Nada vale mais do que a nossa própria
decisão e responsabilidades que fazem parte de nossas escolhas. “Você fez,
agora você paga”. Mas é claro que não nos construímos sozinhos, somos sociais e
temos deveres e obrigações éticas. Não falo aqui de uma anarquia, mas de
escolhas sabendo lidar com as consequências, faz parte da maturidade.
Já
ouví que sabedoria advém de nossas vivências e experiências. É paradoxal pensarmos
que é justamente através de nossos erros e de nossas escolhas que acumulamos mais
experiências, ou seja, a grosso modo, quando escolhemos errado é quando
aprendemos mais e adquirimos mais experiências.
Isso
caracteriza um pouco da importância simbólica de qualquer luto. Quando fazemos
uma escolha, perdemos possibilidades.
Uma
imagem que guardo de meu avô e que ficará para mim é a de um cara simples. Que
cuida de uma casa de fazenda, acordando às cinco da manhã, oferecendo “gemada com
vinho do porto”. Comer bem, se alimentar e sair para fazer o necessário. Guardo
imagens de como meu avô falava com o olhar. Dava surras com o olhar e falava
que amava a todos nós com seu olhar. Não são só palavras que passam mensagens,
somos seres visuais. Muitos sabem que o silêncio fala muito mais. Ele tinha
isso, ele viveu muito, teve experiências.
Foi-se
embora o mais velho de uma prole numerosa e intensa. O preço da morte talvez seja
então, a partir desses pensamentos, um ganho. Um ganho de uma lição, de uma
pessoa que soube viver, respeitando cada um e dando o seu ponto de vista sem
escolher pelo outro. Ele pensava muito bem antes de responder. Sua lucidez era
insuportável. Ele já não ouvia bem, quando não era conveniente, ele já não
enxergava mais, quando era conveniente e ele não precisava falar, quando ele
precisava falar apenas o necessário. Um homem de poucas palavras, mais sorria e
olhava.
Agora
me despeço dele, não triste, mas emocionado, pensando e sentindo que ele soube
aproveitar cada momento. Essa é uma das belezas de sua história.
O
desafio em “aliviar” uma perda não ocorre com o tempo, isso é ilusório também,
mas com o confronto daquilo que ela significou para cada um. Ficamos sujeitos a
elaborar, cada um de sua forma, aquilo que escolhemos, aquilo que perdemos e
aquilo que seguiremos até o fim de nossas vidas.
Portanto,
por esse viés, o desafio de lidar com o luto seja o ganho experimental de
resignarmos para a finitude da vida. Força-nos agarramos a importância que cada
um de nós temos enquanto protagonistas de nossa história e do que queremos
deixar em nosso legado.
Grande Xará! Agora é muita força, irmão. Já que você falou da nossa ilusão de poder de controle sobre as coisas, é importante não se iludir pelas sensações de tristeza e finitude e sempre estar atento, principalmente nesses momentos difíceis, para que possamos aprender o máximo com essas situações, a fim de que as próximas, tão ou mais difíceis, sejam mais palatáveis a nós. Muito bom você colocar isso pra fora aqui, pois certamente, como você disse, te trará amadurecimento.
ResponderExcluirConte sempre com o amigo aqui!
Grande Abraço!
Fala, meu amigo! Obrigado pela força... poder contar com amigos verdadeiros é uma das poucas coisas que nos permite seguir com solidez e confiança algo e a seguir nossa trajetória e nosso legado! Sempre com passos mais firmes e cada vez maiores. Valeu! Forte abraço e nos vemos em breve, meu chapa!
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